sábado, 9 de junho de 2012
sexta-feira, 30 de março de 2012
sexta-feira, 16 de março de 2012
REVISTA DE DANÇA ENTREVISTA GERSON MORENO
Entrevista de Gerson Moreno por Elisa Parente
- Para atualizar os dados, a companhia já possui 16 anos de atuação? E você, já são 25 anos de dança, certo?
Esse ano de 2012, a Cia faz 18 anos de vida! Quanto a mim, 25 anos sim. Não iniciei na Cia Balé Baião, antes dançava e produzia coreografias no Teatro (atuava como ator) e com trabalhos solo.
- Vocês também administram o Ponto de Cultura Galpão da Cena, que entre outras atividades produz a Mostra Arte Caseira. Quais são as outras ações que o ponto de cultura trabalha?
O Arte Caseira é uma mostra permanente de performances de dança, teatro, música e audiovisual assumida pela Cia e Baião Jovem (núcleo Jovem da Cia). Além do Arte Caseira que se realiza toda segunda sexta de cada mês, temos:
- Núcleos livres de formação em dança para adolescentes que funcionam de segunda a quinta em horários alternados:
Segundas e Quartas: núcleo de veteranos;
Terças e quintas: núcleo de novatos;
As aulas são ministradas por professores da Cia Balé Baião e Baião Jovem, em sua maioria formados em pedagogia e educação física. Os adolescentes e jovens possuem entre 14 e 21 anos de idade. São estudantes de escolas públicas da cidade (estado e município) e residem em bairros periféricos, destacando Violete, Cruzeiro, Maranhão, Mourão, Ladeira e Coqueiro.
Dentro de um cronograma planejado e avaliado anualmente sob coordenação pedagógica de Gerson Moreno, nossos alunos possuem aulas teóricas e práticas de: Consciência corporal, Dança Moderna, Dança Contemporânea, Danças Tradicionais Populares, Dança afro-brasileira, percussão corporal, Teatro Físico, Clown, Danças Urbanas, Contato-improvisação, Vídeo-dança e Composição Coreográfica.
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Também temos funcionando aos sábados o Grupo de Percussão “Ponta de Lança” formado por adolescentes e crianças que vivenciam técnicas diversas de percussão brasileira, especificamente afro, sob direção e coordenação de Marcelo Alcântara e Júnior Viana.
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Todo segundo sábado de cada mês realizamos também a “Festa do Galpão”, sempre com temas pra lá de psicodélicos. Dentro dessa ação realizamos o “Carnaval de Quintal”. Esse ano contamos com a banda Dona Zefinha fazendo a animação!
A festa oferece DJs tocando música plural eletrônica, bar (bebidas quentes e frias) e pista de dança.
A meta desse evento é garantir verba para a manutenção do galpão pagando energia, água, material de limpeza e escritório. No momento esse evento vem se tornando cada vez mais popular na cidade e região e vem mobilizando o Balé Baião Jovem a assumir o espaço do galpão não somente como lugar de criação e mostra, mas também como lugar que precisa ser conservado e mantido de forma coletiva. Cada vez mais percebo que os membros atuantes na Cia e Baião Jovem se sentem “donos” e responsáveis pelo espaço e por todas as ações que nele se realizam. Em nenhum momento me sinto só nesse processo, pelo contrário, vejo que somos muitos benza-Deus, e muitos que sabem ser comprometidos de fato com a causa!
- Existe um programa de formação continuada da companhia?
Sim. No caso os núcleos de formação em dança citados anteriormente, também o Baião Jovem formado por bailarinos que estão conosco há mais de 06 anos.
A Cia Balé Baião e o Baião Jovem encontram-se de segunda a sexta, das 22h as 00h00 por conta de faculdades e trabalhos que assumem durante o dia. :
.Segundas e Quintas: Baião Jovem;
.Terças e Sextas: Cia Balé Baião;
.Quartas: Cia Balé Baião e Baião Jovem juntos;
Esses encontros são para vivencias de aulas, estudos, experimentações coreográficas e ensaios, sob direção de Gerson Moreno, Glaciel Farias, Edileusa Inácio, Cacheado Braga, Viana Júnior e Edilene Soriano.
Todo ano temos também o Retiro de Criadores em dança no período da Semana Santa onde reúnem-se intérpretes-criadores-pesquisadores de Itapipoca, Trairi e Fortaleza para realizarem compartilhas coreográficas e exporem trabalhos experimentais em espaços diversos da cidade. Esse ano o encontro será dias 05, 06 e 07 de abril e pretende-se ocupar além de espaços fechados, também espaços abertos nas serras e praia de nosso município. Estamos em processo de pré-produção dessa ação em parceria com a secretaria de cultuar de Itapipoca que disponibiliza hospedagens e alimentação dos convidados.
Também costumamos receber professores, coreógrafos e pesquisadores em dança para residências de uma semana. Geralmente isso acontece via Bienal Internacional de Dança, Festival do Litoral Oeste e Klauss Viana. Para esse primeiro semestre temos a residência de dança-performance com Marcos Morais (SP) via Klauss Vianna, no período de 23 a 26 de Abril. Na ocasião ele apresentará também um solo aberto à comunidade.
- A informação produzida na capital chega com muito mais facilidade ao interior do que o caminho inverso. Como vocês procuram driblar essa barreira? Ela ainda existe? Melhorou desde a formação da companhia?
Hoje não existem mais as chamadas “barreiras” porque as fronteiras de comunicação foram eliminadas entre todas as pessoas do planeta via internet. Hoje conseguimos articular circulações nossas em espaços diversos do estado e país, conhecer e concorrer a editais estaduais, nacionais e internacionais, trocar partituras e proposições coreográficas com artistas de dança de diversos países através de Facebook, de páginas e grupos de Face, de blogs e sites, de conferências via skype, de transmissão ao vivo de ensaios nossos (realizamos isso ano passado quando montávamos um trabalho novo, coletando propostas de quem nos assistia...), enfim, o interior na verdade não existe, somos metrópole onde quer que estejamos.
Na Cia temos três bailarinos que assumem com mais prioridade questões relacionadas a mídias, comunicação e conexões virtuais: Cacheado Braga, Gidalto Paixão e Viana Júnior. Com assessoria dos três, especificamente por Cacheado Braga, estamos enquanto Cia aprendendo a cada dia a estarmos em rede com os acontecimentos emergentes da dança no Ceará, Brasil e Mundo.
- Já há algum tempo a companhia recebeu residência de companhias da capital, de outros estados e países. Como se dá essa articulação?
Através de parcerias com a Bienal de Dança do Ceará, Festival do Litoral Oeste e Klauss Vianna. Mas que no geral nos utilizamos de sites, blogs, e-mails e facebook pra fazermos os contatos e produções dos mesmos.
Pessoas como Davi Linhares, Paulo Víctor, Andrea Bardawil, Claudia Pires e Silvia Moura, são fundamentais nesse processo de articulação. Geralmente eles nos convidam ou propõem ações de residência por saberem que estamos em constante pesquisa, criação e atuação no interior cearense. Sem eles seria impossível fazermos essas pontes necessárias. Nisso somos extremamente gratos!
- O último espetáculo da companhia foi Lamentos e Gozos da Imperatriz de Itapipoca ? Em qual projeto vocês estão trabalhando atualmente?
A partir de Maio de 2012 estaremos circulando em três estados brasileiros: Piauí (Mostra BAFO do DIRCEU e Escola de dança de Teresina), Salvador (Teatros do Pedro Arcando, UFBA, Pelourinho) e Rio de Janeiro (Maré, Centro de Formação em Dança de Lia Rodrigues e espaço de Esther Weitzaman Cia de Dança), apresentando o espetáculo “lamentos e gozos da Imperatriz de Itapipoca”, o vídeo-dança “ a tábua” produzido em parceria com o Alpendre (Marcos Rudof e Alexandre Veras) e ministrando a oficina de criação “Plásticas e poéticas da improvisação em dança”, oficina que acontece a partir da pesquisa de linguagem desenvolvida pela Cia Balé Baião (Edital de incentivo as Artes da SECULT 2005). Essa circulação acontecerá via premiação Klauss Vianna/Minc/FUNARTE, Edital de circulação nacional 2011 na qual fomos contemplados.
...
Além da circulação nacional estamos em processo de criação de trabalhos experimentais a serem apresentados no Arte Caseira no decorrer do 2° semestre. Participam desse processo bailarinos da Cia e Baião Jovem.
- Você desenvolve uma parceria com a DASS calçados, que mostra o comprometimento de empresários no incentivo com a cultura. É um caso isolado? Como é feito o apoio à cultura, seja no lado público, ou privado, com a dança especificamente em Itapipoca?
Estamos nesse momento conseguindo de alguma forma estabelecer uma parceria importante com a secretaria de cultura e secretaria de educação do município de Itapipoca. Hoje temos a maioria de nossos jovens bailarinos contratados ministrando aulas em escolas públicas e projetos sociais da cidade, todos indicados pela nossa entidade. Dessa maneira consegue-se viver de dança garantindo um salário que dê pra se pagar uma faculdade e gastos pessoais. Até pouco tempo na década de noventa,isso seria uma utopia. Isso se dá hoje sobretudo pela demanda de projetos sociais no país que focam a dança-educação como oportunidade de integrar e formar crianças e adolescentes para a vida. Apesar de não existir ainda a estrutura necessária nessas escolas e projetos para que se desenvolvam esses trabalhos, eles estão garantindo sobretudo a permanência de nossos jovens na dança e na cidade.
A DASS é uma parceria que vem dando certo e tende a se ampliar. Além do Grupo de Operários-dançarinos iniciamos ano passado o Grupo de Atores-operários também coordenado pela Cia Balé Baião.
Recentemente no carnaval de Itapipoca tivemos da DASS a doação de 90 pares de sapatos que foram entregues aos nossos alunos para se apresentarem nos desfile dos blocos e escolas de samba de Itapipoca no BLOCO AFRO BAIÃO, mais recente ação popular do Ponto de cultura Galpão da Cena.
Pretendemos manter e ampliar nossa parceria com as secretarias citadas anteriormente através de dois convênios de formação e produção em artes cênicas que estamos pleiteando enquanto entidade: “Circo Escola” e “Artes em Rede”.
- Como é a relação com público em Itapipoca e cidades vizinhas? Existe ainda preconceito, ou houve um crescimento da participação das pessoas? Aproveitando a pergunta, como é também a relação com os pais dos bailarinos e alunos da companhia e do ponto de cultura? Devido toda uma história de mobilização e articulação com as demais cidades de nossa região iniciada na década de noventaatravés do Movimento de Artistas da Caminhada (MARCA) temos hoje um permanente vínculo com cidades, lideranças e grupos artísticos de nossa região. Não existem preconceitos quanto a isso... o que existem são convites e contratações para ministramos oficinas, apresentarmos trabalhos coreográficos e darmos palestras sobre temas afins, sobretudo entre as cidades de Trairi, Amontada, Itapajé, Irauçuba, Uruburetama, Tururu, Umirim, São Luís do Curu, Miraima e Itarema.
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Com relação aos pais a situação é relativa. Temos os pais que apoiam totalmente a participação de seus filhos em nossos núcleos de formação, como temos os pais que proíbem os filhos de fazerem aula por suporem que dança é atividade de menina ou de homossexual. Felizmente temos entre nós muitos homens que dançam. Esse fenômeno desmistifica cada vez mais com o conceito de que homens não devem dançar por não existir espaço pra homens na dança. Temos entre nós bailarinos que são pais de família e alunos jogadores de futebol, capoeiristas, Bboys, dentre outros garotos que descobrem na dança contemporânea a possibilidade de se expressarem e autoafirmarem enquanto “seres sensíveis”, “singulares” e “criadores”.
Com a oficialização do Ponto de Cultura essa panorama de perseguição tende a diminuir, primeiramente porque nossas ações formativas fornecerão certificados de participação (essencial para a ampliação de currículos profissionais de nossos jovens), como também teremos em breve reuniões permanentes e visitações aos pais para que possamos iniciar e ampliar um contato mais direto e sistemático com os pais/famílias de nossos adolescentes.
15/03/2012 - Itapipoca/CE
sexta-feira, 9 de março de 2012
quinta-feira, 1 de março de 2012
quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
APELOS DO SENSÍVEL NA CENA DA DANÇA-PERFORMANCE Dramaturgias líquidas
...
Pleiteando
dramaturgias do tempo presente
A inquietude de quem cria no
decorrer da história ganha novas feições e configurações a cada crise nova
vivenciada pelas pessoas-sociedades-unidades-coletivos. Atrevo-me a dizer que Criar é antes de tudo reler
contextos, plastificar poéticas cotidianas, estabelecer relações diretas ou
indiretas com o público que se dispõe apreciar a obra exposta, instigar
reflexões à cerca do homem contemporâneo, de suas angústias e ânsias. Mas
criar o quê e com que propósito? Criar sozinho ou em parceria? Criar sempre ou
em períodos necessários? Criar por satisfação pessoal ou para dividir? Criar
pela necessidade de legitimar pesquisas e processos ou pela espera de um
aplauso final? Confesso que no momento estou muito atento a possibilidades de
construção (sozinho ou coletivamente) onde seja intensa a experiência dialógica
do aprender, empreender, reaprender e, sobretudo a prática generosa do
acolhimento, onde posso me disponibilizar à escuta dos sussurros lúcidos e
eficazes de quem chega para colaborar na gestação de minha-nossa obra. Pensar
no ato criativo como pressuposto de vivencias estéticas muito mais que na
produção de um resultado exigido a ser apresentado me dá condições de compor
espetáculos anti-espetaculares que poderão ou não sair da sala de ensaio, mas
que inevitavelmente se tornarão documentos ou registros de descobertas
conjuntas, materializações de ânsias estéticas, plásticas de anseios abstratos.
Independente da obra ir para o palco ela existe para nós, codificou-se no nosso
pensar-fazer dança. Mais cedo ou mais tarde esse documento se expressará, mesmo
que por outras vias, mesmo tendo que ser destruído para dar lugar a um outro
espetáculo, a um outro documento: rotina de quem escreve e erra, papel
amassado, jogado no lixo... recomeços, mas o texto é o mesmo, está na ponta do
lápis.
Muito baseado em experiências de
criação desenvolvidas por artistas da dança, (principalmente por coreógrafos
que trabalham a partir de projetos de pesquisa onde transitam corpo,
improvisação e performance) e sobretudo a partir de minha vivência enquanto
criador junto a “corpos de bailarinos” e “não-bailarinos” com a Cia Balé Baião
de Itapipoca, consegui em linhas gerais rascunhar um percurso sistematizado do
que podemos chamar “pontuações sobre o ato de criar na dança”:
·
Colocar-se em estado de
acolhimento-percepção-adesão a contextos distintos ou apelos instantâneos.
Deixar-se afetar;
·
Experimentar sem grandes pretensões a partir de
roteiros de vivências que poderão ser sistematizados ou aleatórios. Suscitar a
sugestão voluntária a fim de proporcionar processos colaborativos, tanto no
âmbito individual como no coletivo;
·
Organizar-desorganizar-organizar os
desenhos-imagens que sintetizarão as descobertas e edificações estéticas
configuradas no experimento-estudo-corpo;
·
Compartilhar a obra pela necessidade de
estabelecer relações-afetações com públicos distintos. Desfazer-se da obra
entregando-a ao outro;
·
Estar disponível para refazer-resignificar a
obra, quando surgir necessidade de potencializar sua plástica e poesia. Receber
de volta a obra criada com todos os “atravessamentos” que fizeram nascer
questões de ordem crítica e nisso mapear maneiras outras de ser, estar e
dialogar com o trabalho criado-recriado.
...
Dramaturgias do corpo
comum
O exercício da “escuta atenta”
vem me possibilitando fazer paralelos entre conceitos recentes de arte
contemporânea com minha prática enquanto educador que cria, artista que cria
consigo mesmo, artista que cria com a Cia Balé Baião e finalmente artista que
cria com pessoas que nunca criaram ou que nunca dançaram, paralelos que me
trazem questões bem particulares a refletir.
Venho perseguindo a ideia de
pesquisar movimento expressivo e desenvolver material coreográfico com corpos
ausentes de adestramentos técnicos em dança contemporânea, especificamente com
adolescentes de bairros periféricos da cidade que trazem impressos em seus
corpos o futebol, a capoeira e o hip hop como práticas físicas rotineiras,
operários que trabalham em empresas-fábricas acarretados de memórias corporais
enfadonhas e porque não dizer “dolorosas memórias” provindas do contato
repetitivo com máquinas e sapatos, e recentemente com professores do ensino
regular de uma escola profissionalizante de Itapipoca, corpos até então
travados pela rotina frenética de sala de aula, frustrados pelas abdicações
pessoais que a vida e o mercado os obrigaram a ter em nome da educação e do
serviço exclusivo, enfim, corpos inéditos no panorama dança contemporânea de Itapipoca,
cidade do interior que até então conhece e reconhece apenas o que é
desenvolvido coreograficamente pela Cia Balé Baião.
Me interessa enquanto criador a
poesia que reside na ação e na imobilidade do corpo enquanto organicidade,
corpo enquanto memória sensorial e social. Minha obra se compõe a partir de uma
perspectiva de construção cênica onde seja possível a plastificação de corpos
inacabados (ideia de falta, vácuo, de vazio necessário, de começos sem meios ou
finais), fragilizados (pelo “deixar a desejar” em força, em tônus muscular ou
resistência física. Que sejam assumidos os limites e as carências corporais do
criador-intérprete como potenciais cênicos a ser utilizados) e intensos (nas
suas escolhas instantâneas, no ser e fazer aqui e agora pelo improviso casual
ou direcionado. Que a verdade cênica seja medida nas opções de duração, tempo,
espaço, peso, fluxo e força feitas pelo criador-intérprete no fazer-se cena
pelo corpo).
Venho percebendo cada vez mais
que a ação física por si própria está acarretada de “dramaturgias da hora”, de
“poéticas súbitas” que testemunham o tempo real dos acontecimentos, nisso não
se enquadra roteiros fechados com reações pré-meditadas ou previsíveis, tão
pouco histórias lineares de cunho didático. Os fragmentos me interessam bem
mais que as totalidades ou inteirezas das coisas. “Estar e fazer” no momento
súbito é inevitavelmente compor verdades cênicas alicerçadas no “risco” e na
“salvação”, na pergunta e na resposta dada no instante a se construir de “corpo
presente”, em tempo real. Nesse sentido o Conflito Cênico poderá se configurar
a partir de Circuitos Corporais onde contato corpo-a-corpo e corpo-espaço
garantirão olhares, tatos, escutas e fragrâncias poéticas que atravessarão de
distintas formas. Provocar maneiras de ver e ler o que se expõe garante a
edificação de Plurais Dramaturgias no “outro atravessado”, no
público-compositor-dramaturgo.
O corpo do criador não-bailarino,
por não trazer máculas técnicas de “dança padrão”, consegue sob direção de um
olhar-comando do dramaturgo, construir uma performance bruta, descomprometida
com as “armaduras” do “belo dançarino” ou do “belo movimento” em detrimento do
manifesto político, do refazer-se em cena para gerar fluxos de expressão.
Interessa para o corpo dançante-performático de um “operário dançarino” o
recondicionamento ou reconfiguração de sua condição de “corpo impossibilitado”
para se firmar como “corpo possível”, de “corpo reprodutor” para “corpo
criador-criação”, de “corpo proletariado, mão-de-obra barata” para “corpo
emancipado”, autônomo, corpo pensante e pulsante de consciência-atitude
transformadora. Estar em cena com esse corpo social já é a dramaturgia de um
contexto concreto se materializando por si próprio. Não há necessidades de
figurinos, trilha sonora, cenário e até mesmo de movimento elaborado. Basta que
ele esteja e seja, que ele olhe-se e olhe para quem lhe olha, basta que ele
espere às leituras de sua imobilidade despojada, basta que ele deixe que sejam
vistos-devorados sua coluna curva, enrolada de tanto ficar em posições
incorretas frente às máquinas, suas mãos ásperas e calejadas, resultado das
repetitivas fricções, seus pés “achatados” e longos, ausentes de alongamento.
Basta que ele seja o que for palpável de ser naquele espaço com aquele público.
Ver-debruçar-se desse “corpo
comum” na cena-berlinda é ver-se nesse corpo que também sou eu, que sintetiza
um pouco ou muito de mim, materialização das fragilidades e potências que
residem no “ser comum” de um “cotidiano comum”, anti-espetacular.
Identificar-me ou sentir-me parte desse “todo cênico” por me ver “apresentado”
e não “representado” pelo corpo do dançarino-operário, torna “incomum” este
lugar, esta habitação, estes corpos que se relacionam, nisso se instala uma
dramaturgia de cunho estético-político, material experimental emergente em
tempos de consumismo e globalização, válvula de escape frente a padronizações
estéticas que ainda se sobrepõem e excluem artistas e obras de grandes
circuitos que querem legitimar a dança como produto mercadológico, muito mais que
agregar o experimental independente.
Conflito Cênico Sensorial
O corpo é um texto à ler-se. A
dança, diferente do teatro clássico, não se faz através de textos aprendidos,
de personagens que transitam dentro de uma história, de diálogos, de começos,
meios e fins. Ela lida (ou deve lidar) com tecidos invisíveis que se
cristalizam dentro de processos de composição de qualidades de presença do
corpo, de ambiências e deslocamentos. Quando se fala em “conflito”se pensa em
“diferenças”, oposições de forças, contradições ou caminhos contrários que irão
se sobrepor sempre com o pretexto de deixar espaços vazios ou vácuos entre
ambos. O “entre” provocado pela divergência de forças é o lugar do deleite, dos
êxtases sensoriais, dos atravessamentos e reflexões, do ver-se dentro, entre ou
distante dessas forças contrárias, do reencontro com substâncias essenciais do
ser, invisibilidade que “deixa-se conhecer” ou revela-se no ato do sentir
sentindo-se, do contemplar além do olho vendo-se e revendo-se, do tátil além do
toque, tocando-se e deixando-se tocar.
Em meio a eloquentes discussões
conceituais a cerca das artes no âmbito da pesquisa e produção contemporânea,
permeia um “sumo” que extrapola termologias acadêmicas: a invenção do sensível
enquanto obra de arte.
O que na verdade interessa é a
potência poética da obra, sua capacidade de afetar e infectar, independente de
ter se configurado dentro das tendências metodológicas, estéticas ou
filosóficas apontadas. O conflito-poético do corpo sempre será antes de tudo o
próprio corpo-sujeito-objeto. Estar e intervir no mundo é a gênese da teoria
por vir. Antes das conclusões escritas e editadas que se firmem práticas de
ordem individual ou coletiva. É
fundamental que o corpo com suas possibilidades e capacidades se veja experimentando
na ânsia de criar “arquiteturas físicas” que dialoguem com os públicos
vigentes. Cada lugar vai aspirar por um corpo específico, cada corpo uma
singular necessidade de dança, cada dança um registro efêmero de perguntas e
respostas que simultaneamente aparecem e se desintegram no
corpo-memória-sentidos, cada público o seu olhar-sedento, sua experiência
particular de relação com o mundo que o cerca e consequentemente sua forma de
ler e reler, de ver-se e sentir-se na obra exposta. Eis o grande apelo da
contemporaneidade: acolher muito mais que negar. Romper com pré-conceitos a
cerca do que pode ou do que deve ser a dança numa perspectiva contemporânea,
vislumbrando sobretudo possibilidades de encontro com os plurais
olhares-anseios que diversificam por sua vez os lugares a se habitar. Em foco
esteja à questão: Dramaturgia a ser construída-descontruída com quem?
Onde?Como? Para quê?
PÁLPEBRAS E
QUEBRANTOS (Gerson Moreno)
Olho de quem me olha
Olhado-devorado em atos-pedaços
Molha-me pálpebra
Chorosas meninas-velhas
Molhado sigo na berlinda-cena
Atravessando tecidos
inquebrantáveis
Linhas-costuras em
panos-trapos-pedaços
Molhado
Partido ao meio
Entre-atravessado
Imóvel fico à espera do anseio de
me mover
Sigo parado, simplesmente
atravessado em flechas-flecheiras
Estraçalhado em pedaços bem
partidos faço-me corpo
Invento-me em presenças
necessárias
Eficazes e desintegradas
presenças
Refaço-me de novo em velho
Dou-me e retiro-me atirando-me no
acaso
Contato em súbitos apelos do
tempo real
Pelos apelos instantâneos
integro-me
Pelos, jamais aparados
Cabelos, nunca cortados
Cabeça de novelos de lã
Salientes cotovelos
Fraturo-me para durar em
intensidades finitas
Quebro-me sem pudor das pálpebras
latentes
Refaço-me de corpo em anticorpo
De dança contra-dança
Desdanço
Retalho-me com emendas de
memórias
Esqueço-me e peço desculpas
Lembro-me
Desenho-me sem riscos
Apago-me para não deixar marcas
nem histórias
Escrevo-me nova-mente em
de-mentes vontades
Repico-me
Colo-me com cuspes e partituras
coreográficas
Componho-me no aqui e agora
Assumo o drama que me persegue
Assumo-me dono dessa dança até
que seja dada
Dou-me
Recolho-te em pálpebras e palmas-meninas
Bandeja na mão
Hora de juntar os cacos
....
..
.
Pesquisa de linguagem do Balé Baião
A Estética e a Poesia do Corpo fragilizado
Sempre
escuto de outros coreógrafos e bailarinos que assistem aos espetáculos do Balé
Baião a mesma afirmação: “teu trabalho é
interessante principalmente pelos corpos comuns do elenco, pela naturalidade e
tranqüilidade que demonstram em cena...”
Essa
colocação por certo tempo me deixou pensativo sobre o que seriam esses “corpos
comuns” e essa naturalidade, então comecei a investigar dentro da Cia que
corpos estavam ali e que tipo de movimento eles me davam.
Fui percebendo que os primeiros elencos que acompanhei
(foram quatro ao todo) não tiveram oportunidade de conhecer técnicas e códigos
diversos de dança. Os dois primeiros elencos da Cia não desenvolveram a
habilidade de criar seu próprio caminho coreográfico, resumindo-se a meros
receptores de "passos". Sem falar do limite de "presença
cênica" pela ausência de "corpos treinados", resultando em
espetáculos repletos de coreografias complexas executadas por dançarinos que
deixavam a desejar.
A partir do terceiro elenco houve um investimento
prioritário na formação técnica dos bailarinos em exercício permanente da
criação individual e coletiva do movimento expressivo.
Diante disso o que estava faltando nos bailarinos da
Cia? A resposta veio nos laboratórios de criação. Percebi que era exatamente
essa "falta" a responsável pela singularidade de meu trabalho
coreográfico. Eu só precisava dar oportunidade para que cada bailarino
preenchesse essa falta com autonomia e personalidade.
Desde que passei a trabalhar a partir da improvisação de cada um, não
mais me incomodei com os chamados "corpos comuns", eles passaram a me
fascinar. Entendi que não funcionava proporcionar nos bailarinos somente a
capacidade de se manter natural, era preciso que fossem eruditos no que faziam,
que seus corpos zelassem pelo intuitivo e ao mesmo tempo surpreendessem com o
movimento técnico adquirido em aula. O que na verdade existe em todas as
companhias de dança são corpos comuns que nunca deixarão de sentir dor se forem
machucados, nem serão plenamente perfeitos mesmo sabendo executar sem erros a
seqüência coreográfica aprendida. Não é privilégio do Balé Baião trabalhar com
corpos comuns, pois todo corpo de qualquer bailarino traz em si características
comuns à todos os outros corpos existentes no planeta, principalmente
fragilidades que sempre nos alertam para a presença inevitável da imperfeição.
O limite é parte do ser humano e existe para sinalizar o momento certo de não
ir além, de parar para escutar, de aceitar as leis naturais da existência. No
entanto, esse limite pode ser poético quando assumido em cena. Surge daí uma
nova tentativa de superação desse limite, não baseada em
"virtuosismos" desnecessários que geralmente fazem o público delirar
e ao mesmo tempo o distancia daquela realidade cênica por não provocar adesão
sensível ao que está sendo dançado. A grande novidade é permitir que em cena o
corpo expresse sem temer suas fragilidades e nisso gere identificação no
público, no sentido de "abrir portais" para que cada pessoa se
perceba dentro do espetáculo, nas fragilidades e fortalezas dos corpos dos
bailarinos. Esse "corpo comum" que se meche naturalmente é na verdade
uma pessoa que resolveu dançar utilizando-se de todas as técnicas possíveis,
porém priorizando valores cênicos de sua própria personalidade adquiridos no
decorrer de sua história particular, em contato com distintos espaços e pessoas.
Procuro observar em aula o que os bailarinos trazem de
elementos particulares que não devem ser destruídos em nome de uma técnica
ensinada. Muitas vezes são "vícios" que se apresentam agressivamente
aos nossos olhos, mas que naturalmente vão desaparecendo à proporção que o
bailarino se alimenta de novas vivências corporais. Por outro lado, são
trazidos gestos e movimentações originais que revelam a identidade e as
características singulares do bailarino. Percebo com isso que a intuição jamais
deve ser substituída por "receitas prontas" de como dançar. A dança
deve ser insultada pelo professor e construída gradativamente pelo próprio
bailarino a partir de sua pesquisa individual.
Dançar com a consciência de que o espetáculo expõe meu
corpo, toda sua pequenez e grandeza, é possibilitar um novo olhar e uma nova
concepção do que seja espetáculo, do que seja arte, do que seja dança. As
miudezas passam a revelar suas expansões e os grandes movimentos as suas
miudezas; cria-se um conflito que se apropria das inconstâncias, das buscas e
achados do gesto humano.
Dançar com essas
perspectivas me faz pensar que meu corpo é visitado por todos os que me
contemplam. Passo a ser reflexo de todos os corpos que participam da dança de
minha vida. Público e eu dançamos em sincronia estabelecendo diálogos
silenciosos.
Metodologia de ensino-construção: Movimento
enquanto busca particular
Atualmente são
muitos os caminhos que apontam para a construção da dança particular do
bailarino contemporâneo, todos partindo de princípios comuns que se nutrem de
técnicas e sistemas criados por vários pesquisadores de movimento corporal
reconhecidos em todo o mundo como Von Laban na Alemanha, criador da
dança-teatro, dentre outros.
Quando um
autodidata em dança passa a conhecer várias técnicas de codificação do
movimento (Balé Clássico, Dança Moderna, afro, tradicional, entre outros), é
inevitável: ele entrará em crise artística. Antes de ter acesso a técnicas, a
dança do autodidata é construída a partir do pouco que se captou do mundo, estabelecendo
um trabalho bem mais artesanal no sentido de fazer esse "pouco"
render infinitamente. O acesso a muita informação técnica possibilita o
encontro com os códigos universais de dança; conscientiza que são poucos os
inventores e muitos os que aderem a invenções prontas. Ao entrar em estúdio
para criar uma coreografia, a impressão que se tem é que desapareceu a
“criatividade intuitiva” para que apenas haja uma reutilização artificial de
seqüências coreográficas aprendidas em aula. A princípio, a necessidade de
mostrar o que foi aprendido supera o antigo desejo de "criar por conta
própria", e quanto a isso não há outro caminho senão o de esbanjar todas
essa bagagens até que novamente se esgotem. O que acontece em seguida é um novo
esvaziamento, uma ânsia em ser autêntico mantendo a consciência de que se é
herdeiro de todo um processo outrora iniciado.
Falar de minha
experiência particular no Colégio de Dança do Ceará e de minhas recentes
atuações na Escola de Dança do Balé Baião é falar de descobertas que reverberam
no trabalho que desenvolvo enquanto criador e artista-docente não somente em
Itapipoca, mas na região e estado, experiências que me fizeram perceber o
quanto é fundamental proporcionar ao aluno-pesquisador logo em seu primeiro
contato com a dança o acesso a si mesmo, a seu corpo enquanto potencial
sensível, afetivo e criativo.
Dentro dessa
metodologia contextualizada, inserida na realidade concreta do corpo do
adolescente, deve-se dar condições para que ele conheça o que já foi criado e
nisso enriqueça seu acervo de conhecimento em dança. Logo após é preciso que se
questione sobre a dança buscada pelo aluno; que dança se quer construir? Este
será o insulto que provocará rompimentos com tudo o que fora absorvido
anteriormente, e por certo fará nascer uma verdade individual que deixará
evidente a beleza e a dignidade de um corpo falando de si mesmo, compartilhando
suas especificidades com cada pessoa que faz o todo do público.
A dança do Balé
Baião é resultado da fusão das danças particulares de cada bailarino da Cia. No
decorrer do processo de formação dos bailarinos foram se definindo aptidões de
movimento a partir de "facilidades" que foram descobertas
individualmente em desafios lançados nas aulas. Essas facilidades foram acolhidas
não como definição de estilo, mas como pressupostos para se investigar e
possivelmente construir algo. Esse "fácil" na dança apontado pela Cia
não significa conformismo diante do que se sabe fazer, e sim uma "base
matriz" que vai se complexificando no exercício da repetição e de quebra
súbita do movimento.
Cada
bailarino do Balé Baião procura ter a consciência de que não há "dança
definitiva" por não existir "dança acabada"; sempre há problemas
a se resolver no movimento e uma constante insatisfação que motiva para uma
nova tentativa. Viver é fundamentalmente experimentar!
A dança de Cia apresenta-se,
pois, como inacabada por estar sempre se construindo. Por mais que cada solista
revele uma extrema segurança e objetividade na execução do gesto, sempre existe
embutida neste uma flexibilidade disposta a repensar e reformular esse
movimento a partir de novos anseios e focos emergentes.
Movimento
enquanto construção conjunta
Em se
tratando de improvisar com o outro estabelecendo troca de sinergia no ato de
dar e receber movimento, se faz necessário antes de qualquer coisa uma profunda
intimidade com a pessoa que se propõe a ser parceira da criação. Uma companhia
de dança, no caso do Balé Baião que existe há 15 anos com um elenco permanente
de 10 anos, dificilmente deixará de construir uma trajetória de convívio e
companheirismo perpassando as fronteiras do profissionalismo.
A
experiência de grupo permanente, de estar em contato constante com aqueles
corpos, de conhecê-los apuradamente, possibilita segurança mesmo diante das
incertezas que acompanha qualquer improvisação. Conhecer o parceiro, suas
potencialidades e limitações, é garantir uma confortável entrada e saída de
movimento, um diálogo claro com a "fala corporal" do outro sem
bloqueios físicos e psicológicos.
Os membros da
Cia Balé Baião antes de serem parceiros de trabalho são vizinhos, moram na
mesma rua e bairro, a maioria se
conhece desde a infância e adolescência, são amigos confidentes que se
encontram todos os dias, independente de ter ou não aula de dança. Existe entre
eles uma cumplicidade que influencia inevitavelmente na criação coletiva do
movimento da Cia. A afeição que existe entre todos gera uma dança acolhedora e
tolerante, uma ação de escuta e resposta diante do que está sendo perguntado
pelo corpo do outro no momento mais oportuno.
A convivência
de seis anos tornou perceptíveis as "diferenças" que fazem de cada
bailarino da Cia pessoas de personalidades singulares. Paralelo a isso ficou
evidente o que há de mais comum entre todos, tanto no que se refere a condições
físicas, reações psicológicas e principalmente na qualidade de movimentação.
Hoje se percebe claramente na Cia, corpos que buscam conservar suas
especificidades, mas que manifestam "sincronias conscientes" de
gestos e movimentos que parecem fazer de todos um só corpo e uma só expressão
com equidade.
No decorrer dos
anos, muitos jogos e exercícios foram se codificando à proporção que foram
vivenciados pela Cia. São comandos que apressam o processo de descoberta e
construção do movimento de qualquer pessoa que deseje começar a dançar. Fui
percebendo que é possível criar uma unidade móvel nos bailarinos a partir da
diversidade de corpos e bailados que se apresentam em nossa escola de dança. E
o melhor de tudo, é que não precisa de seis ou doze anos para isso; existem
formas de adiantar a chamada formação do aluno de dança, no nosso caso, alunos
adolescentes entre 14 e 20 anos de idade.
A linguagem
desenvolvida por uma companhia de dança é sua verdade exclusiva. O Balé Baião
consegue hoje repassar sua verdade não somente pelos espetáculos que produz,
mas, sobretudo, através do sistema de ensino iniciado em julho de 2004 na
escola que fundou. Adolescentes que nunca pensaram em dançar e outros que
sempre quiseram isso, mas não sabiam como começar, estão criando
individualmente e em grupo a dança contemporânea de Itapipoca sob orientação
dos bailarinos da Cia. Os professores de dança se utilizam de exercícios
próprios do Balé Baião nas aulas de consciência e expressão do corpo,
contato-improvisação e composição coreográfica.
A dança do Balé Baião, algo que
antes parecia impossível de ser executada por outras pessoas, está sendo
vivenciada com vigor por novas gerações de bailarinos, cúmplices de uma dança
que antes de tudo passou a significar agrupamento, integração de pessoas que
querem produzir profissionalmente nutridas pela paixão, pela vida em grupo. Não
dá para compreender dança coletiva ou criação conjunta de movimento corporal se
existe discórdia e inimizade entre bailarinos de uma mesma companhia. A dança e
o corpo não mentem jamais... É fundamental que o "bailarino tal"
esteja muito bem com todo o "corpo de baile" para que consiga ser
pleno na execução de seu movimento, e nisso possa ser um só corpo com os outros
na sincronia das diferenças. Antes do ensino da dança é necessária a fomentação
de uma consciência de grupo, de vivências que valorizem a construção de um
senso humanitário centrado na tolerância e na cumplicidade.
Do Particular para o conjunto
Não existem
"receitas" ou exercícios padrões que irão "moldar" um
bailarino. Depois que passei a conhecer jogos de contato-improvisação, pude
entender que podia fundir intuição e técnica para dirigir minha dança
particular e conseqüentemente para preparar tecnicamente o corpo de baile da
Cia Balé Baião. Logo após alguns anos, repetindo os mesmos exercícios de
criação de movimento repassados no Colégio de Dança do Ceará, comecei a
desenvolver exercícios próprios que vieram corresponder às atuais necessidades
estéticas da Companhia. São propostas de vivências que podem contribuir com
algumas etapas básicas de formação do bailarino-criador-intérprete, tais como:
• 1a
etapa: Conscientização do corpo e de sua expressividade;
• 2a
etapa: Níveis corporais (planos verticais e horizontais);
• 3a
etapa: Tempo do Movimento;
• 4a
etapa: Direções (paralelismos e oposições);
• 5a
etapa: Contenção e expansão do corpo no espaço;
• 6a
etapa: Estados corporais: o cênico na imobilidade;
• 7a
etapa: Sincronia e quebra de sincronia;
• 8a
etapa: Interação com objetos cênicos;
• 9a
etapa: Interação com outros bailarinos:
Ø
Sem
olhar e sem toque
Ø
Com
olhar e sem toque
Ø
Com
olhar e com toque
Ø
Conduções
pelo contato direto e indireto
Ø
Divisão
de peso
Ø
Aproximações
e distanciamentos
Ø
Sustentações
• 10a etapa:
Composição poética e filosófica de dança;
Da presença
à ausência de movimento
Entendo que a
primeira compreensão de dança do bailarino é intuitiva. Para que haja autonomia
criativa do intérprete, é necessário que ele tenha autoconhecimento de seu
corpo antecedendo a qualquer aprendizado acadêmico.
Uma opção
que muito pode contribuir nesse processo é tomar paralelo o exercício do ensino
de técnicas sistemáticas de dança, principalmente se a turma é formada por
adolescentes. Estes precisam de uma dinamização que apresse o processo de
construção da dança almejada, afinal, práticas de dança deveriam ser iniciadas
na infância trabalhando principalmente a espontaneidade da criança. São raras
as escolas de dança no interior do estado; no geral, os adolescentes precisam
"correr atrás" para recuperar o tempo perdido. Itapipoca, Trairí,
Paracuru, Paraipaba, Tejuçuoca e Itapajé (Vale do Curu e Litoral Oeste do
estado) conhecem muito bem essa realidade.
A Cia Balé
Baião quer suscitar em sua escola bailarinos que tenham autonomia e personalidade
no dançar. Sabe-se que somente depois de alguns anos de experiência com dança é
que se chega a tal medida, porém, já são visíveis casos de adolescentes da
Escola Balé Baião que pela tendência de criar estão surpreendendo com trabalhos
autorais produzidos em pouco tempo de experiência, apresentando precocemente
consistência de movimento e de direção coreográfica. Constatei que o alicerce
de tudo isso é a consciência do corpo e da expressividade que esses
adolescentes estão desenvolvendo nas aulas de criação particular do movimento,
somados às aulas de Balé Clássico e Dança Moderna. Nisso se ganha maior
amplitude de possibilidades corporais.
As aulas de
conscientização do corpo partem das seguintes propostas de vivências:
• Ausência total de movimento do corpo seja no chão ou em pé (trabalho
com as duas possibilidades);
• Ampliação do olhar através de
direcionamento para o foco da frente, focos laterais, cima, baixo e costas.
Fechar olhos e visualizar uma cor (a primeira que vier);
• Respiração ativada somente pelo nariz, somente pela boca, integrando
nariz e boca, prender e liberar fôlego, respirar por todos os poros,
normalizar;
• Percepção do corpo sem movimento (visualização) e ou com movimentação
crescente de todas as partes, dos pés até a cabeça e ou da cabeça aos pés, da
periferia ao centro do corpo e do centro à periferia. Esses trabalhos podem ser
realizados com o corpo deitado ou de pé. Se o corpo está no chão, a
movimentação deve ser horizontal, tudo pesará e se arrastará sem elevação de
periféricos (braços, pernas, cabeça) e nem centro do corpo (tronco). Trazer à
tona a lei da gravidade.
Se o corpo está de pé,
explorar direções paralelas e opostas do movimento em sustentações e declínios
dos periféricos, contrações e descontrações no centro.
• Locomoções a partir de pequenos e grandes apoios presentes em todo o
corpo. Elevação de periféricos e centro se necessário (verticalizações de
braços, pernas, bacia);
• Utilização de níveis corporais:
Ø
Corpo
deitado: Busca do lado direito e esquerdo, rolamento para troca de lado,
elevação do tronco usando os braços como apoio de sustentação (cambrê),
utilização de todos os possíveis apoios e ísquios para sentar, apoio somente no bumbum para elevar
periféricos (equilibrar e desequilibrar), utilizar-se de quatro apoios (braços
e pernas) e de dois apoios (pernas com flexão de joelhos e tronco caído),
desenrolar e enrolar o tronco de baixo para cima, de cima para baixo, pelos
lados direito e esquerdo, braços ativados pelos cotovelos em ondulação,
elevação e declínio, lançamentos e "enganchos", um braço congela e o
outro continua a se mover, oposições e paralelismos, cabeça e tronco
acompanhando ou não a expansão e contenção dos braços. Ocupação do espaço pela
condução dos periféricos e centro do corpo. Equilíbrios, desequilíbrios, giros,
saltos e rolamentos de todo o corpo em interação com o espaço. Contenção
decrescente do movimento até chegar a pulsações visíveis e invisíveis; estado
de dança na imobilidade.
Ø
Corpo
de pé: Cada parte do corpo move-se a partir das necessidades momentâneas,
começando pela cabeça e encerrando nos pés. Após tal parte se movimentar que
haja uma pausa para que a parte vizinha comece a mexer. Depois de todas as
partes trabalhadas com suas respectivas pausas, inicia-se uma emenda de movimentação
livre onde cada parte do corpo vai provocar movimento na sua parte vizinha
integrando cabeça, tronco e membros. Escolha de partes do corpo que vão
congelar em planos opostos, sejam verticais ou horizontais, enquanto que as
outras partes se movimentarão em integração ou não a elas. Enganchos de
movimento que provoquem expansões; ocupações do espaço mínimo e do máximo;
paradas bruscas e paradas decrescentes do movimento (máximo ao mínimo) e o
inverso; pulsações visíveis e invisíveis: estado de dança na imobilidade
(paralisação com pulsações discretas).
Da
Sincronia à Quebra
Hoje acredito
que a dança precisa nascer em plena apresentação. Ela é fecundada em aula pela
prática permanente de técnicas sistemáticas, porém, só ganha corpo na
libertação do gesto aos olhos de todos, nos palcos da vida.
A dança casual
ou o movimento que surge em coincidência com outro movimento de outro
bailarino, e que por acaso cria uma harmonia plástica nos convencendo de que
aquilo foi ensaiado e não uma improvisação é o que chamo de sincronia quebrada
ou diálogos improvisados.
A partir de
agosto de 2004 venho catalogando exercícios que possibilitam o encontro e o
desencontro proposital com essa sincronia. Parto sempre da idéia de que é
preciso antes de tudo uma liberação dirigida do movimento expressivo. Sempre
procuro fragmentar o máximo possível as possibilidades de mobilização do corpo
do bailarino-criador para que ele contemple de forma processual as suas
descobertas específicas e sobretudo suas dificuldades naturais, sendo
impulsionado a investigar e construir sua performance à luz de suas facilidades
e desafios. Mostro em seguida algumas etapas que trabalham essas perspectivas:
Variações e releituras
• Repasse de uma variação ou frase
coreográfica que valorize o que pretendo explorar de específico naquela aula.
Ex: braços em nível alto, contato com o chão, movimentos do cotidiano, outros.
Em seguida a
variação é executada em tempos diferentes (calmaria, explosão...), em novas
marcações no espaço (bailarinos em círculo, direções opostas, níveis diversos
do corpo...), minimizando e maximizando a movimentação.
Depois,
ocupando todos os espaços da sala em direções variadas, os bailarinos serão
convidados a fazer releituras particulares da variação, criando novos traços
espaciais, movimentos e gestos próprios, sem fugir da matriz inicial. A idéia é
que ele possa usar a coreografia repassada como base para criar uma nova
coreografia, mas que conserve sua essência (sua idéia central), mantenha sua
velocidade, seu fluxo, direções, níveis e focos. Após repetidas tentativas de
releitura, todos os bailarinos serão dirigidos a expôr suas performances em
três etapas:
1. Cada um mostra sua releitura para todos
apreciarem;
2. Todos mostram suas performances ao mesmo
tempo para que perceba-se em meio às diferenças onde podem estar as sincronias;
3. O professor direciona a turma para que abram
um círculo. No centro os bailarinos mostrarão em duplas suas releituras para
que se perceba com mais profundidade onde estão os contrastes, sincronias,
encontros e desencontros casuais. A partir daí o professor pode explorar novos
comandos para que as duplas estabeleçam diálogos criativos, tendo como base
seus solos: trabalhar diferentes tempos, velocidades, enquanto um dos
bailarinos congela o outro move-se, inversão de papeis, dentre outras
possibilidades de comandos que podem surgir.
Matrizes ou Estados corporais
• Definir uma posição corporal em que todos
devem ficar. Essa posição não deve ser "petrificada" como uma
estátua; precisa de respiração natural e de pulsações mínimas. Cada
bailarino-criador começa a improvisar partindo dos periféricos de forma
econômica e tranqüila, avançando progressivamente com a liberação de movimento.
Ao mesmo tempo em que se foge da matriz (posição-base) retorna-se a ela como um
refrão a ser repetido, deixando sempre novas possibilidades de movimento
ganharem forma no espaço mínimo dado pela matriz. À proporção que há uma
evolução do movimento, novas matrizes ou posições-base podem surgir na
tentativa de valorizar outros níveis corporais. O bailarino criador fica
transitando entre uma matriz e outra (três no máximo) desenvolvendo percursos
conscientes entre elas. De três retorna-se a duas matrizes, de duas a uma e
nela finda-se o jogo do jeito que foi iniciado.
Seguindo
o outro por caminhos opostos
• A idéia é que haja um
encontro e um desencontro com a variação (coreografia) dançada pelo parceiro.
Enquanto “seguidor ativo” percebo o que o outro está me dando de movimento e
tento repeti-lo de forma pessoal, estando e ao mesmo tempo não estando em
sincronia com a coreografia dada. De forma súbita, o bailarino que dava
movimento pra mim, agora tenta me acompanhar da mesma maneira que fiz antes com
ele. Tendo mais bailarinos no jogo, troca-se de parceiro o tempo inteiro, todos
assumindo os papéis de dar e receber movimento sendo ativos e receptores ao
mesmo tempo. O exercício pede que não haja troca de olhar entre bailarinos para
que a visão aconteça discretamente por outras vias e nisso se desenvolva um
olhar indireto, uma visão de cena que acontece via percepção sensitiva do
outro.
Não tocar no
parceiro também é outro comando que suscita uma busca a mais dos bailarinos
nesse jogo. Criam-se outros fios de ligação que não são palpáveis, como se cada
bailarino permanecesse no solo de seu mundo particular e rompesse com ele
penetrando no mundo do parceiro. Em seguida entra o olhar, o toque
diversificado, conduções, sustentações, sempre estabelecendo aproximações e
fugas do parceiro.
Desenhos Espaciais
Encontros
fotográficos:
A meta desse trabalho
é criar imagens corporais no espaço mínimo e máximo, a partir de ligações
diretas e indiretas entre os corpos dos bailarinos.
A utilização
dos periféricos (braços, pernas...) acontecerá por necessidade de locomoção,
ocupação e desocupação dos espaços e não por “enfeite” desnecessário. Será
fundamental que o corpo seja usado em sua totalidade, porém, sem recorrer a
movimentos artificiais que geralmente surgem em improvisações inconscientes.
Os bailarinos
procurarão uns aos outros tentando ficar do lado do parceiro, na frente, atrás,
de costas, apenas para ficar perto do outro. Para achar um corpo é necessário
que haja locomoções correndo ou utilizando-se de apoios no chão. Algumas
matrizes podem ser adotadas para funcionarem como ponto final do movimento. O
ato de correr ou de se locomover pelo chão será adotado como movimentação
codificada do jogo; para ficar perto de alguém em pé ou deitado serão
"pontos finais" das frases ou “matrizes” que sempre surgirão para
criar sincronia nas quebras.
Após congelar
em uma matriz, o bailarino decide para onde ir, de que forma se locomoverá e de
que maneira vai parar ao lado do outro para recomeçar tudo novamente, de forma
crescente e em seguida decrescente. Nesse exercício, desenhos inesperados são
construídos, tais como quadrados, círculos, asteriscos, filas, letras, (S, L, T
...), dentre outros.
Para que o bailarino consiga
realizar esse jogo é básico que ele tenha noção de desenho, decisão objetiva na
hora de se locomover para mudar de ângulo, agilidade, visão total do que está
acontecendo no espaço, habilidade com o chão (apoios, amortecedores...) e sem
dúvida, entrosamento com os parceiros de dança.
As
cinco ações naturais
Os bailarinos deverão estar espalhados no espaço da sala em direções
diferenciadas. Todos deverão vivenciar ao mesmo tempo as cinco ações ou
atitudes mais comuns dos seres humanos: andar, correr, parar, sentar e deitar.
Cada um deverá compor formas variadas de executar cada ação em tempo
determinado pelo professor. Na próxima etapa os bailarinos terão autonomia para
escolher as ações que desejar para executar, uma após outra, em tempos e
espaços diversos, desenvolvendo uma partitura harmônica a partir de escolhas.
Todos estarão em cena executando ações diferentes que subitamente se
harmonizarão conforme escolhas comuns que sem planejamento serão feitas. De
repente três bailarinos poderão sentar ao mesmo tempo, enquanto que dois
estarão correndo e quatro estarão deitando no chão, entre outros exemplos. A
seguir, o professor conduzirá os bailarinos para a vivencia das cinco ações em
quatro momentos específicos:
- As cinco
ações serão vividas a partir de temas relacionados a sensações, exemplo:
correr, deitar, sentar, parar e andar com o medo, com o sentimento de
solidão, de espera, com desesperança, com determinação e alegria, dentre
outros temas, sempre mantendo a economia dos gestos, a intensidade do
movimento e a crença na verdade que estará se materializando no corpo.
- O
bailarino vivenciará as cinco ações em interação com os outros bailarinos
através da aproximação de alguém e por conseqüência do contato com alguém.
Exemplo: três bailarinos sentaram perto um do outro ao mesmo tempo por
decisão consciente. Em seguida um deles encosta a cabeça no ombro do
vizinho, enquanto que o outro o abraça. Resultado: imagem de três pessoas
se amparando com ternura, dentre outros exemplos.
- Os
bailarinos vivenciarão as cinco ações em interação consciente uns com os
outros, a partir de temas lançados pelo professor: medo, solidão, fúria,
indiferença, solidariedade, amparo, compaixão, dentre outros.
- Os bailarinos vivenciarão dentro do desenho de um quadrado com cinco pontos de localização, as cinco ações com os sentimentos que optarem, sempre trocando de lugar e transitando entre uma pessoa e outra, Os pontos deverão ser quatro nas extremidades e um ponto central. Em cada ponto de acordo com as trocas de lugares podem ter duas pessoas, uma ou todas ao mesmo tempo. Não haverá limite de pessoas para cada ponto, como também não será erro se determinado lugar ficar vazio (Esse vácuo pode ser extremamente cênico). Enquanto os bailarinos trocam de lugar, mudam ações, velocidades, ou encontram de súbito alguém e se acoplam, serão automaticamente formadas “imagens cênicas” que ao mesmo tempo petrificarão nas pausas e se movimentarão com intensidades diversificadas, gerando infinitas opções de “olhares” na platéia.
Interação com objetos
O objeto
escolhido para ser trabalhado em um espetáculo de dança deixa de ser meramente
utilitário para tornar-se objeto de cena, ou seja, parte integrante do conflito
e da estética do trabalho exposto.
É preciso que o
bailarino-criador tenha coerência na escolha do objeto cênico que vai utilizar
em sua performance. Ele deve ser na dança extensão poética do movimento
corporal, ampliação, prolongamento da presença cênica do bailarino. O objeto
escolhido precisa corresponder aos anseios do coreógrafo no que se refere à
concepção ou à idéia central do trabalho que quer desenvolver. De repente será
preciso apenas um objeto cênico e nada mais. Lidar com o necessário em cena é
garantir um trabalho essencialmente poético, despojado e repleto de vácuos a
serem preenchidos pela platéia, que passa a ser dona do trabalho coreográfico à
proporção que ele é apresentado ou ofertado no palco.
Se existe
objeto em cena é necessário estudar e compor o seu começo, meio e fim, definir
o objetivo concreto que ele terá em cena, em que momento vai aparecer, garantir
sua aparição discreta e seu desaparecimento súbito, que conflito cênico ou que
"plástica corporal" ele ocasionará no acoplamento com os bailarinos,
com o espaço da cena e da platéia que o percebe e até mesmo toca-o. Outra
questão fundamental nesse trabalho com objetos é possibilitar que não haja
agressão ou violência dos mesmos quando usados na tentativa de forçá-los a
serem outra coisa. Os objetos são o que são e devem ser “usados” da maneira que
é possível usá-los. A partir do momento que me utilizo do objeto com a
pretensão de demonstrar “domínio de malabares” não estou fazendo dança, e sim
artes circenses.
Procurei
dividir a pesquisa de interação com objetos em duas etapas básicas:
Objeto Cênico em solo
Ø
Reconhecimento
do objeto - O bailarino-pesquisador deve estudar pelo olho e pelo toque a
estrutura, o tamanho, o peso, as possíveis entradas e saídas que o objeto
apresenta, bem como suas fragilidades e resistência.
Ø
Mudança
de plano do objeto + mudança de plano do corpo - O objeto deverá ser colocado
em outras posições (deitado, de lado, de cabeça para baixo...) enquanto que o
bailarino tentará imitar com seu corpo as mesmas, se aproximando e se
distanciando dele, criando movimentos de ligação que favoreçam a troca de
posição do objeto e conseqüentemente entre o fluxo de movimento em ocupação do
espaço.
Ø
Entrar
e sair do objeto - O bailarino poderá ir ao encontro do objeto para encaixar-se
nele ou trará o objeto para seu corpo onde se acoplará. A cada entrada no
objeto (sentar, ficar de pé, por cima dele, colocá-lo na cabeça, prendê-lo
entre cabeça e ombro etc.) é importante fixar a imagem congelando. Pouco a
pouco, dentro dessa imagem desenhada (matriz), devem-se liberar pequenos e
grandes movimentos, sempre a partir do limite e das possibilidades que o objeto
oferece. O momento de êxtase do jogo é quando o fluxo de movimento rompe com as
imagens congeladas proporcionando continuidade, abandonos e retornos ao objeto
em ocupação consciente do espaço.
Ø
Desenhar
o espaço com objetos - cada bailarino vai precisar estar vestido com uma blusa
grande de algodão. Pegando com as duas mãos a parte inferior da blusa, cria-se
um depósito onde ficarão guardados objetos pequenos (padronizar: caixas de
fósforos, ou búzios, miniaturas de brinquedo, batons, etc). O jogo começa com a
retirada tranqüila desses objetos da blusa. O bailarino vai espalhar esses objetos
em todo o espaço preenchendo todas as lacunas. No segundo momento ele recolherá
esses objetos de forma dinâmica levando-os novamente para o depósito da blusa.
Tanto o ato de espalhar como o de guardar os objetos deve provocar nos
bailarinos um ágil trabalho de chão (apoios e amortecedores dos periféricos,
articulações, giros, saltos, equilíbrios e desequilíbrios) diversificando o
tempo, o tamanho, a força e o peso do movimento desenvolvido.
Objeto Cênico em grupo
Ø
Formação
de desenhos espaciais com objetos:
o grupo de bailarinos vai montar
desenhos diversos no chão a partir da interação dos objetos. Para a formação
desses desenhos, os bailarinos terão que encontrar uma dinâmica de locomoção no
espaço utilizando-se dos níveis baixo, médio e alto, sempre buscando ter visão
do "todo" e das "partes" para que não haja choques e
colisões entre corpos e objetos. O desenho criado será resultado da inspiração
e escolha do bailarino diante do objeto que foi deixado no chão. Ele deverá
traçar o próximo risco do desenho com seu objeto e o bailarino seguindo fará o
mesmo. A cada desenho construído o grupo de bailarinos deverá congelar em
posições corporais diversas contemplando a obra. Subitamente, um dos bailarinos
resolverá tirar seu objeto do chão quebrando com o desenho para construir
outro. Os bailarinos escolherão acompanhá-lo ou não em novos trajetos, novos
desenhos com objetos e novos quadros vivos com a mobilidade e imobilidade dos
corpos em ação.
Ø
Entregas
e recebimentos de objetos:
Esse trabalho deverá ser feito inicialmente em duplas. Os dois
bailarinos estarão com objetos iguais (bacias, bancos etc) e próximos um do
outro (de lado, frente, costas...). A idéia é que os bailarinos se movam em
interação com os objetos e em seguida encontrem um momento oportuno para
trocá-los. Esse momento de troca terá que ser recheado de pausas sinalizando e
espera pelo outro, e de avanços decididos no intuito de garantir a entrega
segura dos objetos. Esse exercício pode ser desenvolvido também com a
utilização de apenas um objeto, seguindo a mesma seqüência de entregas e
recebimentos. O bailarino que estiver com o objeto estará interagindo com ele,
enquanto que o outro se moverá livremente. À proporção que vão estabelecendo a
inversão de papéis, cria-se uma codificação de movimentos nos corpos pelo
contato com o objeto. O movimento manifestado pelos dois será resultado dessa
repetição e dessa interação simultânea.
O segundo
momento desse trabalho é juntar um grupo maior de bailarinos para desenvolver a
trajetória anterior. Desta vez, a interação e a agilidade deverão ser dobradas
para que haja harmonia e sincronia grupal na execução das trocas de objeto e
nas locomoções pelo espaço. Em primeiro plano tudo deve ser feito com calma
para que se estudem caminhos e estratégias de troca. Conseqüentemente a
velocidade deve se acentuar dentro de um fluxo contínuo até se construir um
clímax e um retorno a calmaria.
Eis alguns
objetos cênicos utilizados em aula pela Cia Balé Baião e por sua escola de
dança:
Ø
Bacias,
lençóis, bastões, cadeiras, bancos, pedras, búzios, malas, imagens de santos
populares, giz, elásticos, bolas, sinos, espelhos, chinelos, roupas,
lamparinas, brinquedos, DVDs, folhas de papel ofício, caixas de fósforos,
travesseiros, esteiras, cordas, barbante, sacos de algodão, miniaturas dentre
outros.
Composição Poética e Filosófica da Dança
Esquematizar um
roteiro coreográfico para a dança desenvolvida no Balé Baião é um exercício de
leitura que principia no entendimento do corpo e do movimento que se quer
trabalhar dentro do espetáculo (linguagem corporal), estende-se no
aprofundamento filosófico e poético desse corpo e desse movimento (concepção do
tema ou assunto norteador), e tem sua culminância na fusão desses dois
aspectos, seguindo pelo processo de experimentação e definição de cenas em
constante tentativa de descoberta coreográfica que requer repetição,
flexibilidade e, sobretudo, generosidade dos bailarinos-criadores no sentido de entrega ao trabalho, assumindo
principalmente as dificuldades de adesão às técnicas repassadas. Generosidade, entrega
e adesão são exercícios que sempre exigem do aluno-bailarino determinação, paciência e perseverança.
Independente da
linguagem a se utilizar ou do tema específico a ser discutido no espetáculo, o Balé
Baião sempre quer falar do momento presente da humanidade, dos conflitos,
ânsias, buscas e achados do corpo contemporâneo, tendo como pano de fundo a
vida e a diversidade de contextos que fazem o planeta terra.
Esse pensamento
acaba me deixando à vontade para criar sem prender-me a "receitas
acabadas" de composição, bem como me desprende de temas de cunhos
diversos. Preciso estar livre e lúcido para dançar sempre de outro jeito, para
falar de outra coisa, para não falar de nada, para estar em outro lugar, para
ser outro sempre. Creio que a lógica da vida (que antecede à dança) é buscar e
achar incessantemente; no dia em que tudo tiver sido achado e não existir mais
buscas, a vida deixará de pulsar, o corpo não precisará mais caminhar e tão
pouco dançar.
Em resumo, eis
algumas pistas que facilitam o processo de composição coreográfica:
Ø
Definição
do que se quer falar (ideia central) e da linha de movimentação corporal
(estética do espetáculo);
Ø
Aprofundamento
teórico da idéia central do espetáculo (livros, vídeos, entrevistas etc.);
Ø
Pesquisa
de campo (visitações, registros em fotografia e vídeo, questionários...);
Ø
Em
estúdio: Experimentações e confecção das cenas ou das partes que farão o
roteiro do espetáculo (busca de comandos que capturem os corpos nas cenas
desejadas, marcações sincronizadas e livres para improvisar, utilização de objetos cênicos...);
Ø
Definição
da trilha sonora apropriada para cada cena do espetáculo;
Ø
Definição
de figurinos apropriados (de preferência que valorizem as diferenças de cada
corpo do elenco, sem padronização de modelo);
Ø
Ensaios
fechados e interativos (avaliações abertas);
Gerson Moreno
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